terça-feira, 28 de maio de 2013

A Retórica de Papael em Ortigueira

Roberto Martins de Souza*

A imposição de uma visão empresarial como sinônimo de crescimento econômico regional, oriunda de uma mega-indústria do setor de papel e celulose numa das regiões mais pobres do Paraná, se assemelha a uma versão surrada do processo de (re)colonização dos territórios, sob a égide do mito do desenvolvimento econômico pautado pelo agronegócio da madeira.
Mito porque sua função é dirigir a visão da sociedade para atingir interesses específicos de grupos econômicos mediante evidências não comprovadas ou distorcidas de seus efeitos sobre a realidade social.
Na sua forma discursiva (efeito-propaganda) vale tudo para construir o senso comum acerca do empreendimento, desde a noção de vocação econômica natural da região, as melhorias nas condições sociais, geração de emprego, e o impulso à modernização tecnológica - associada a noção de sustentabilidade - na tentativa de blindar a proposta contra críticas sociais e ambientais. Não fosse o histórico desse setor na região, diríamos que essa novidade precisaria ser testada antes das previsões pessimistas.
Ante as formas de intimidação simbólicas que promovem o silêncio das autoridades públicas e população em geral, tem-se a reedição contemporânea do mito do desenvolvimento, com a implantação da fábrica de celulose no município de Ortigueira – PR – o mais baixo IDH do Paraná.
Desde seu lançamento público em 2012, o tom da conversa já anuncia a imagem reparadora que a empresa pretende vender na mídia local e estadual: "não faz sentido ter um município quase rico [Telêmaco Borba] e um monte de municípios pobres em volta, é uma insensatez, uma herança do Brasil antigo".
Inicialmente, aos desavisados, informa-se que este argumento pretende afastar causa e efeito de uma mesma fonte. Ou não foi a opção neste modelo autoritário de desenvolvimento do complexo celulose-papel há mais de 80 anos (antigo), potencializados com fartos recursos públicos, que produziu essa “herança” na região?
Portanto, não nos deixemos enganar novamente com as frágeis teses da ideologia do desenvolvimento e seus supostos benefícios diretos ao fim da miséria e da pobreza; na geração de empregos, renda e infraestrutura básica. Não que estejam ausentes tais condições, mas a pergunta que devemos fazer é: qual o custo social, cultural, econômico e ambiental temos que pagar para obter esses benefícios? E, sobretudo, quais as conseqüências desse modelo a médio e curto prazo para a população e os recursos naturais?
Em verdade, todos sabemos as dificuldades de se pensar a gestão do município de Telêmaco Borba, vizinho à Ortigueira. Não é preciso percorrer dados socioeconômicos para perceber isso: alto índice de violência, alto custo de vida, desorganização urbana, dentre outros graves problemas sociais e econômicos diretamente correlacionados com o “modelo celulose-papel de desenvolvimento. O que não é exclusividade de Telêmaco, pois todas as cidades que ficam próximas ou recebem esse tipo de investimento amargam essas mesmas dificuldades (Eunápolis, ES; Três Lagoas, MS; São Luiz de Paraitinga, SP, são alguns exemplos).
À população desavisada fica a ideia do progresso econômico, a maquiar os impactos provocados pela instalação desse mega-empreendimento, seguido das plantações de eucaliptos/pinus e do fluxo migratório, que invadirá a cidade em busca de empregos, encarecendo o custo de vida, abarrotando os equipamentos públicos de saúde e ensino, e aumentando a violência.
Aliás, não dá para esperar situação diferente, desse modelo autoritário de desenvolvimento, uma vez que a velocidade do negócio torna incompatível os esclarecimentos a população, acerca dos impactos sociais, econômicos e ambientais que irão atingir o município. Ainda mais quando o responsável pelos esclarecimentos é a própria empresa, que circulou por boa parte das comunidades em 2012, organizando reuniões para apresentar as “vantagens” de seu projeto.
Trata-se de aceitar de modo inconteste o predomínio das escolhas empresarias sobre os interesses públicos, sem que os critérios de decisão e consequências estejam claros para população. Visto que a velocidade em que se ordena o território, só é possível por meio de incentivos, isenções, flexibilização ambiental propiciados pelo Estado, o que permite uma acumulação de capital acelerada, sem que os ditos beneficiários do indicado “atraso” possam discernir sobre as mudanças em seus lugares e suas vidas, o que significa a completa perda da autonomia política da população sobre seu destino, que passa a ser governado consoante os interesses empresariais dominantes.
Neste palco de interesses, a realização de audiências públicas tornam-se um circo sem graça, um show de falácias, com foco no que chamam de desenvolvimento na visão da empresa. Para cumprir esse protocolo, cujo objetivo é obter a licença ambiental, segue-se um ritual de apresentações elaboradas, longas, datashow projetando técnicas, que transbordam dados, processos, números e siglas, todas frias. A população, sem possibilidades de questionamentos ou escolhas: cala e aceita.
Ainda que essas empresas alardeiem aos quatro cantos que sua atividade é responsável pelo aumento do emprego no campo e na cidade, as contradições do discurso empresarial se dissolvem no confronto dos dados. Seu principal argumento – a geração de empregos - é discutível, uma vez que a empresa tem as operações de campo mecanizadas. Sendo bem generoso, talvez eles gerem 1 (um) emprego a cada 25 (vinte e cinco) hectares (dados coletados na região de Telêmaco Borba, 2012). Isso nos dois primeiros anos, que é a época de fazer algum trato como o coroamento da planta, aplicação de venenos e controle das formigas. Este emprego é em grande parte terceirizado, e na maioria das vezes emprego temporário. Por outro lado, os trabalhos na construção civil que darão início a obra, carecem de formação básica profissional, escassa em Ortigueira e região, o que significa que pedreiros, carpinteiros, mestres e técnicos em construção civil virão de fora para trabalhar na fábrica. Depois de construída, inicia-se o descarte da mão de obra, pois os serviços tendem a demandar mais especialização. Além disso, o cruzamento dos investimentos com os financiamentos do setor nos dá pistas de que o erário público é o grande financiador do negócio.
Questões fundamentais como a expansão das plantações de eucaliptos/pinus no município e região, sobretudo, depois da aprovação da divisão do ICMS, oriundo do funcionamento da nova fábrica, entre 11 municípios beneficiários, a tendência é o estímulo ao fomento do plantio de madeira, visto que, a porcentagem de recebimento deste imposto pelos municípios está vinculado o cálculo da quantidade madeira entregue na fábrica, o que certamente criará obstáculos a democratização da estrutura fundiária, um dos principais males da região, que tem na concentração da terra uma das suas principais características. Nela os estabelecimentos com menos de 100 ha representam 88,90% detendo 16% da área do município (IBGE, 2006).
Outro assunto de primeira ordem, porém esvanecido pela propaganda, trata do aumento do êxodo rural mediante o avanço dos plantios; tem-se constatado o esvaziamento das comunidades rurais, que tornam-se “desertos verdes” de plantações, desconstruindo a falsa ideia de conciliação produtiva com a agricultura familiar. Por outro lado, o fenômeno da favelização emerge como resultado dessa mudança. A estratégia de colocar o foco do debate na fábrica e seus empregos tem evitado a discussão sobre a mudança do perfil econômico do município: de produtor de alimentos para produtor de madeira, aumentando os custos do consumo alimentar e promovrndo a desagregação da dinâmica social na agricultura familiar.
No quesito ambiental o silêncio é ainda maior, pois nada se fala sobre a secagem de fontes d’água, a diminuição de rios, a mudança de paisagem, e a degradação dos ecossistemas, fatos comprovados pelas pesquisas realizadas pelo Projeto Cartografia Social dos Impactos Provocados pelos Monocultivos de Eucaliptos em Imbaú, município vizinho, dentre outros estudos e pesquisas sobre os impactos dos monocultivos arbóreos no país.
Não obstante, ao contrário do que se pensa, a região possui outras formas sociais de existência, que recebem insuficiente apoio de políticas públicas vinculadas as ações de desenvolvimento do campo. Como exemplo, pode-se citar que somente no município de Ortigueira há cerca de 10 mil agricultores familiares; no Território Caminhos do Tibagi são aproximadamente 50 mil, com enorme potencial de geração de riquezas, são esses: quilombolas, faxinalenses, indígenas, camponeses, trabalhadores rurais, assentados e acampados de reforma agrária, pescadores artesanais e ribeirinhos, dentre outros. Ainda que em desigualdade quando comparados os investimentos públicos, são os que mais renda por área produzem (verdureiros de Imbaú produzem o equivalente a R$ 10.000/há/ano), sem contar a geração de empregos, em média a agricultura familiar gera um emprego a cada sete hectares (IBGE, 2009).
Em que pese essas vantagens, a agricultura familiar produtora de alimentos, sofre com a expansão do modelo dominante de desenvolvimento baseado nas plantações de árvores, ao serem os mais atingidos pela redução dos espaços sociais na agricultura camponesa, desestruturação das alternativas locais tradicionais, degradação e privatização dos recursos naturais, antes considerados comuns, enfraquecimento dos saberes tradicionais, todos resultados da centralização do poder e fortalecimento do processo de acumulação da empresa em detrimento de outros projetos sócioterritoriais para a região.

*Prof. Dr. Roberto Martins de Souza é docente do Câmpus Telêmaco Borba -Instituto Federal do Paraná - IFPR.

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