segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Entidades e movimentos sociais relembram mártir e cobram demarcações

Documento assinado por entidades será enviado a Casa Civil, FUNAI e Defensoria Pública da União
29/11/2013
Por Julio Carignano,
De Curitiba (PR)
Com o intuito de relembrar um mártir da luta indígena e reverenciar aqueles que deram sangue por uma causa, militantes de movimentos sociais, movimento estudantil, dos direitos humanos, pastorais, de partidos políticos e professores reuniram-se na noite desta terça-feira (26) na Câmara Municipal de Cascavel em uma plenária em memória a Marçal Tupã-Y, liderança Guarani assassinada há 30 anos em Mato Grosso do Sul.
O ato político, proposto pelo mandato do vereador Paulo Porto (PCdoB) acontecia no mesmo instante em que indígenas em Guaíra velavam na tradicional Casa de Reza de Tekoha Mirin, em Guaíra, o corpo de Bernardino Coládio Ortega, assassinado no último fim de semana em atentado que ainda feriu três crianças indígenas, sendo uma delas em estado grave que continua internada em um hospital de Toledo.
Porto abriu a plenária falando do genocídio às comunidades Guarani Kaiowa, representada pelo número de mortes nos últimos anos no Mato Grosso do Sul. “São 264 assassinatos de lideranças em oito anos, sem que ninguém seja punido. Histórias com a de Marçal vem se repetindo no Mato Grosso e no Oeste do Paraná. Vivemos uma ascensão da intolerância e do preconceito contra os povos tradicionais”, destacou.
Representante da Comissão Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcelo Navarro, falou sobre os direitos garantidos às comunidades tradicionais na Constituição Federal. “O Estado que deveria dar proteção a essas comunidades é quem por vezes massacra suas minorias. Historicamente quem tem mais direitos em nossa sociedade é o padrão branco, heterossexual e cristão”.
Armelindo Rosa, o popular Beá, da coordenação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ressaltou que os movimentos camponeses estão em processo de releitura da reforma agrária, que passa também pela defesa das comunidades tradicionais. “A reforma agrária também passa pela defesa de nossos territórios, das terras indígenas, quilombolas, faxinalenses, ribeirinhos”.
A professora Jacqueline Parmigiani, da Unioeste de Toledo, lembrou que a memória dos mártires segue presente na luta territorial. “Estamos vivendo um momento complicado da história em nossa região, momento de reflexão e de articulação na defesa dos direitos indígenas. É preciso com urgência que sejam retomados os processos de demarcações no Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul”. Opinião compartilhada pela antropóloga Sel Guanaes, da Unila (Universidade da Integração Latino Americana): “Nos assusta o processo que vive o Estado brasileiro, de um genocídio declarado e com apoio explícito do Governo Federal com sua política excludente e de expropriação destes povos tradicionais”.
Para a professora Liliam Faria Porto Borges, presidente do PCdoB de Cascavel, a defesa da especificidade da luta indígena é a mesma dos trabalhadores, dos excluídos, de todo ser humano que precisa se impor para ter acesso aos bens da humanidade. “Fortalecer a diferença só é necessário numa sociedade onde deliberadamente as pessoas não são iguais. E quando falamos em igualdade, não estamos falando em sermos iguais enquanto individualidades, mas sim a exigência da igualdade das condições de vida, do direito e do acesso a sociedade construída pelas mãos do homem”.
Casa de Passagem
O reverendo Luiz Carlos Gabas, da Igreja Anglicana, fez menção a audiência pública realizada em outubro na Câmara que discutiu a Casa de Passagem em Cascavel. “Não faz muito tempo tivemos nesta casa de leis uma batalha contra o preconceito, contra e exclusão em relação ao povo Kaiguangue. Isso ainda está muito presente, mas naquela oportunidade conseguimos reverter uma situação. Hoje estamos novamente reunidos na defesa do direito destes povos manterem sua identidade cultural, sua riqueza, religiosidade e diversidade”.
Representando a Pastoral da Juventude, Lucas oliveira, ressaltou a história de Marçal Tupã-Y. “Colocamos a trajetória de Marçal irmanada com a história de Jesus Cristo que também tombou assassinado como mártir político. Hoje ocupamos o Palácio de Herodes para fazer memória dos inocentes”, disse. Já Laise de Souza, presidente da UJS (União da Juventude Social), destacou a ousadia do mandato do vereador Paulo Porto em propor o ato na atual conjuntura de acirramento de um clima anti-indígena no Oeste do Paraná.
Carta
Ao final do encontro, as entidades presentes no ato assinaram uma carta que será enviada a ministra chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, a Defensoria Pública da União e a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). O documento alerta para o forte ataque de interesses econômicos, a ofensiva de uma política anti indigenista, o avanço da expansão do capital sobre as terras indígenas, além de cobrar uma apuração rigorosa e punição aos crimes morais e físicos contra os Guarani e a retomada imediata de estudos e demarcações das terras indígenas no Oeste do Paraná.
No encerramento da plenária, Paulo Porto destacou que o ato de fazer memória é tornar presente aqueles que deram a vida por uma causa, da esperança dos que ainda travam essa luta e pela paz dos que ainda virão. “O filosofo alemão Walter Benjamin tem uma frase que fala que ‘se o inimigo vencer sequer os mortos estarão a salvos’, ou seja, a memória está em disputa o tempo todo”, concluiu o indigenista.
Histórico de Marçal Tupã-Y
Marçal nasceu no dia 24 de dezembro de 1920. Ficou órfão aos oito anos. Foi educado numa missão presbiteriana e criado pela família de um oficial do Exército no Recife. Adulto, voltou para a região de Ponta Porã, no Estado natal. Atuou também como intérprete guarani-português, tendo a oportunidade de conviver com antropólogos e cientistas sociais, como Darcy Ribeiro e Egon Shaden, o que lhe proporcionou acesso ao conhecimento científico e cultural.
Em 1980, Marçal Tupã ficou conhecido por denunciar a história de massacre de seu povo e as violências contra os povos indígenas no Brasil ao papa João Paulo II. “Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto, não, santo padre. O Brasil foi invadido e tomado dos indígenas. Esta é a verdadeira história de nosso povo”. Com essa frase, ele emocionou o pontífice durante sua primeira visita ao país. Três anos depois ele seria executado, em Campestre, na terra indígena Nhanderu Marangatu, município de Antonio João, onde morava e trabalhava como enfermeiro da FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
Depois de anos de luta e discursos tocantes, inteligentes e esclarecedores, morreu como viveu: defendendo o respeito a seu povo. Foi assassinado com cinco tiros, na noite de 25 de novembro de 1983, em sua aldeia. Menos de um mês antes, havia recusado oferta de 5 milhões de cruzeiros, feita por um fazendeiro, para que convencesse uma tribo do grupo Kayowá a sair de suas terras. Marçal tinha 63 anos e a seu lado dormia a mulher, a índia Celina Vilhava, 27 anos, grávida de nove meses

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